Em comemoração pelos 16 anos da Lei Maria da Penha, e para reforçar o enfrentamento da violência contra as mulheres, o Congresso Nacional lançou, nessa quarta-feira (3), a campanha Agosto Lilás, com o tema “Um instrumento de luta por uma vida livre de violência”.
Além de parlamentares, a cerimônia no Salão Negro contou com a presença de representantes de entidades ligadas à causa da mulher. A Orquestra Sinfônica das Forças Armadas Brasileiras se apresentou, e os prédios das duas Casas Legislativas foram iluminados na cor lilás, alteração visual simbólica que permanecerá de 14 a 17 de agosto.
A iniciativa da campanha é da Procuradoria Especial da Mulher e da Liderança da Bancada Feminina pelo Senado e também da Secretaria da Mulher, Procuradoria da Mulher e Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher pela Câmara.
A procuradora especial da mulher do Senado Federal, senadora Leila Barros (PDT-DF), pediu um minuto de silêncio pelas mulheres vítimas de violência.
— Em 2021, uma mulher foi morta a cada sete horas, em média, vítima de feminicídio em nosso país, segundo dados oficiais. Como se vê, só a lei não basta. É preciso um trabalho cotidiano para promover a mudança cultural necessária a pôr fim a essa triste realidade — afirmou.
Rede básica
A procuradora da mulher da Câmara dos Deputados, deputada Tereza Nelma (PSD-AL), salientou a importância das delegacias especializadas e das casas-abrigo para mulheres.
— A eficácia da lei depende da plena execução por parte de todos os órgãos envolvidos no processo. Mulher é prioridade quando? — provocou.
A líder da bancada feminina no Senado, senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), defendeu mais recursos orçamentários para as políticas em defesa das mulheres.
— O Orçamento não tem que ser fictício, ele tem que existir. É por isso que é fundamental que todas nós, enquanto mulheres, possamos exigir e cobrar do Poder Executivo brasileiro e de todos os estados o cumprimento daquilo que é direcionado para as mulheres, sem contingenciar ou remanejar, para que aquilo que esteja na lei possa ser uma realidade praticada todos os dias na sociedade — disse Eliziane.
Judiciário
A ouvidora do Conselho Nacional Da Justiça, Tânia Reckziegel, confirmou a importância desse reforço sob o ponto de vista do Judiciário.
— Quando os processos chegam ao Judiciário é porque falhamos. A rede falhou, a sociedade falhou, porque, na grande maioria dos casos, a mulher morreu, vítima de feminicídio — lamentou.
A representante do Consórcio Maria da Penha, antropóloga e professora da UnB, Lia Zanotta, defendeu o fim dos estereótipos de gênero. Ela lembrou que o direito a saúde e felicidade é de todos os membros da família.
Questão racial
Representante da ONU Mulheres Brasil, Anastasia Divinskaya manifestou o empenho da organização em continuar o trabalho no Brasil para garantir os direitos humanos a todas as mulheres, desde a infância.
Por fim, a coordenadora de parcerias do Instituto Avon, Renata Rodovalho, apresentou dados de estudo sobre os efeitos das delegacias da mulheres para redução dos feminicídios. O trabalho foi conduzido por pesquisadores do Insper, FGV, UFRJ e Universidade de Toronto.
— Ainda é preciso lidar com a questão racial quando a gente fala de enfrentamento à violência contra a mulher no Brasil. Mulheres pretas e pardas só se beneficiaram da redução de letalidade por mortes violentas naqueles municípios onde, além das delegacias das mulheres, encontrava-se um cenário de alta escolaridade, infraestrutura urbana, transporte e comunicação — observou.
Lei Maria da Penha
A Lei 11.340, de 2006, ganhou o nome de lei Maria da Penha em homenagem à farmacêutica bioquímica que ficou paraplégica devido a agressões sofridas em 1983 do então marido, o economista e professor universitário colombiano Marco Antonio Heredia Viveros. Ele primeiramente atirou na esposa, simulando um assalto. Depois tentou eletrocutá-la enquanto ela tomava banho. Somente em outubro de 2002, a seis meses do prazo de prescrição do crime, Viveros foi condenado e preso, mas cumpriu apenas dois anos (um terço) da pena e acabou solto em 2004.
O episódio chegou formalmente ao conhecimento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), que condenou o Brasil por não ter adotado providências necessárias a cessar a violência contra Maria da Penha e punir seu agressor. A comissão instou o país a mudar sua legislação e suas práticas relacionadas ao combate à violência contra a mulher.
Hoje, a Lei Maria da Penha é considerada legislação de referência em todo o mundo no combate à violência contra a mulher. Entre outros aspectos, a lei tipificou a violência doméstica como uma das formas de violação aos direitos humanos e determinou que os crimes relacionados passassem a ser julgados em varas especializadas, com competências criminal e cível. Anteriormente a violência doméstica estava sendo julgada nos juizados especiais criminais (que decidem sobre crimes de menor potencial ofensivo), também conhecidos como varas especiais de pequenas causas, mas o rito acelerado acabava levando à impunidade. Os agressores eram no mais das vezes condenados a pagar por seus crimes com penas alternativas, entre as quais a distribuição de cestas básicas a entidades voltadas a pessoas carentes
Apesar da legislação avançada, o Brasil continua exibindo números assustadores no campo das relações de gênero. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 apontou leve redução no número de feminicídios em 2021 na comparação com 2020. Mesmo assim, 1.341 mulheres foram assassinadas no ano passado como forma de supressão do seu direito à independência, à autonomia, à liberdade e uma identidade própria. Além disso, o documento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública aponta o crescimento de outras formas de violência contra a mulher, como a psicológica.