“Não podemos baixar a guarda”. Esse é o alerta da pesquisadora Maria Cristina Canale, para os produtores de milho, na luta contra a cigarrinha-do-milho. Nesse período de entressafra do grão, a recomendação principal para os agricultores é retirar todo milho voluntário – ou guaxo – que nasce espontaneamente, porque eles servem de abrigo para estes insetos, que podem infestar a nova safra, que começa a ser cultivada em julho.
A cigarrinha-do-milho é o inseto-vetor dos microrganismos causadores das doenças do complexo de enfezamentos, capazes de comprometer substancialmente as safras do grão. Em 2020 os agricultores catarinenses e a Epagri perceberam uma elevação nas populações da cigarrinha, que resultou no aumento da ocorrência da doença. O resultado foi uma queda na produção do milho catarinense.
Segundo Maria Cristina, engenheira-agrônoma e fitopatologista do Centro de Pesquisa para Agricultura Familiar (Epagri/Cepaf), Santa Catarina já colheu safras de milho com produtividade de 8,2 mil kg por hectare. Na safra 2021/22 este índice ficou em 5,5 mil kg por hectare. Parte dessa perda pode ser colocada na conta da cigarrinha-do-milho, que juntamente com a estiagem, provocou expressiva quebra naquela safra.
Preocupados com essa situação, pesquisadores da Epagri aprovaram junto à Fapesc projeto para execução do Programa Monitora Milho SC, que teve início na safra 2021/22. O programa disponibiliza, durante a safra, boletins semanais com informações sobre a incidência do inseto-vetor em 22 pontos monitorados em lavouras de Santa Catarina, assim como a infectividade de tais populações, acessadas por meio de testes moleculares. Isso porque a presença da cigarrinha-do-milho não é, por si só, um risco, a não ser em altas populações. Para transmitir as doenças do complexo de enfezamentos (fitoplasma, espiroplasma e virose-da-risca) para as lavouras de milho, o inseto precisa estar infectado pelos microrganismos (molicutes e vírus) causadores de tais doenças.
O boletim de monitoramento da cigarrinha-do-milho é destinado aos produtores de milho e técnicos que atuam com esta cultura. Com base nestas informações, eles podem decidir com mais assertividade as práticas de manejo que serão aplicadas na lavoura para combater o inseto.
Segundo a pesquisadora, a cigarrinha-do-milho e as doenças do enfezamento existem no Brasil desde a década de 1970. “Os surtos eram esporádicos e locais”, descreve Maria Cristina. Ela relata que, a partir de 2015, começaram a ocorrer vários surtos pelo Brasil, devido ao aumento do cultivo de milho – algumas regiões fazem até três safras por ano. “Isso gera uma ponte verde, que resulta no aumento de insetos e, consequentemente, na maior incidência da doença”.
Epidemia peculiar
O monitoramento também ajuda os pesquisadores a conhecerem melhor a doença. Maria Cristina explica que a epidemia do enfezamento tem se mostrado bastante peculiar. A pesquisadora conta que, até sete semanas antes do fim do monitoramento da safra 2022/23, as amostras analisadas no laboratório da Epagri/Cepaf apresentavam pouca incidência de insetos infectados. Já nas últimas sete semanas, o fitoplasma do enfezamento vermelho passou a ser observado em 60% das amostras.
Mas no campo, a realidade era diferente. Segundo Maria Cristina, enquanto a doença não era detectada em laboratório, era possível observar seus sintomas na lavoura. O laboratório variou a técnica de detecção, mas os resultados eram os mesmos. De repente, sem causa aparente, as amostras começaram a acusar alta infectividade das cigarrinhas. “Pode ser o manejo, o clima, ou até uma questão de sobrevivência para perpetuação do fitoplasma do ambiente, não sabemos, mas é fato que esses dados são inéditos e muito reveladores”, atesta.
Entre outras conclusões, a equipe responsável pelo monitoramento da cigarrinha-do-milho percebeu que a doença não é mais cíclica, com surtos esporádicos e localizados, como no passado. É um problema que veio pra ficar e de ocorrência em todo o país. Por isso, esse trabalho precisaria ser continuado, porque, segundo a pesquisadora, “cada safra é uma história diferente”.
Maria Cristina explica que o projeto financiado pela Fapesc, que se encerra em setembro, cobriu o monitoramento das safras 2021/22 e 2022/23. “Entre julho e agosto, no começo da próxima safra, com o milho ainda em fase inicial, vamos fazer um ‘mini-monitoramento’, para pelo menos não ficarmos sem gerar informação para os agricultores”, alega a pesquisadora. Ela e outros colegas redigiram novo projeto de monitoramento, que já foi apresentado à Diretoria Executiva da Epagri.
Manejo próprio
Enquanto o monitoramento oficial não é retomado, os agricultores podem fazer o próprio manejo de suas lavouras quando o plantio iniciar, por volta de julho. A recomendação é usar armadilhas para insetos, vendidas nas agropecuárias, ao preço médio de R$ 3,00 cada. São folhas amarelas, de 30cm x 10cm, cobertas com cola que prende todos os insetos que ali pousarem.
Os agricultores devem trocar as armadilhas toda semana, observando a quantidade de cigarrinhas apreendidos, para acompanhar a evolução da população da cigarrinha-do-milho na sua lavoura. Bastam duas armadilhas por hectare, instaladas nas bordas das lavouras.
“Recomendo que o agricultor instale armadilhas voltadas para o terreno do vizinho, caso ele também plante milho”, aconselha a pesquisadora. Isso porque o monitoramento deve ser regional, com a cooperação entre vizinhos. Não adianta uma propriedade fazer e outra não, porque há o risco de o inseto continuar se multiplicando, semelhante ao que acontece com o mosquito da dengue.
Todos os produtores rurais também devem estar atentos ao manejo de entressafra, com relação ao surgimento e erradicação do milho voluntário. E, no caso do aumento da incidência de cigarrinhas, adotar o controle químico já no início da lavoura.
O Comitê de Ação Contra a Cigarrinha-do-milho e Complexo de Enfezamentos é composto pela Epagri, Udesc, Cidasc, Ocesc, Fetaesc, Faesc, CropLife Brasil e Secretaria de Estado da Agricultura.