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Como celulares mudaram nossos cérebros


10 de abril de 2023

Um estudo recente concluiu que os adultos norte-americanos consultam seus celulares, em média, 344 vezes por dia – uma vez a cada quatro minutos

Foto: GETTY IMAGES via BBC

Como muitos de nós, passo tempo demais no meu celular. E, como muitos de nós, sou totalmente consciente e costumo me sentir culpada por isso.

Às vezes, deixo o telefone no outro lado da casa ou o desligo, para usar menos. Mas, no fim, acabo atravessando o corredor mais cedo do que gostaria de admitir, para fazer algo que só posso fazer com o celular – ou que ele me permite fazer com mais eficiência.

Preciso pagar uma conta? Celular. Marcar para tomar café com uma amiga? Celular. Mandar mensagem para a família que mora longe? Celular.

Verificar a previsão do tempo, anotar uma ideia de reportagem, tirar uma foto, fazer um vídeo, criar um álbum de fotos, ouvir um podcast, pegar indicações de trajeto, fazer um cálculo rápido… até acender a lanterna? Celular, celular e celular.

Um estudo recente concluiu que os adultos norte-americanos consultam seus celulares, em média, 344 vezes por dia – uma vez a cada quatro minutos. Ao todo, eles passam quase três horas por dia nos aparelhos.

O problema, para muitos de nós, é que uma tarefa rápida no celular leva a uma rápida verificação do e-mail ou das redes sociais. Até que, de repente, você acaba sendo sugado pela tela que rola sem parar.

É um círculo vicioso. Quanto mais úteis são os nossos celulares, mais nós os usamos. Quanto mais os usamos, mais caminhos neurais criamos no nosso cérebro para nos fazer pegar o telefone para qualquer tarefa que surja – e mais vontade sentimos de consultar o aparelho, mesmo quando não precisamos.

Há 50 anos, Martin “Marty” Cooper fez a primeira chamada de um telefone móvel. Ele mesmo fabricou o aparelho – um telefone bege, do tamanho de um tijolo, muito diferente dos smartphones atuais, que são finos e revestidos de vidro.

O aparelho de Cooper não tinha câmera e não enviava mensagens de texto. Sua bateria permitia apenas 30 minutos de conversa – e levava 10 horas para carregar. Hoje, ele não pensa nos smartphones modernos como um aparelho para fazer chamadas telefônicas.

“Realmente, ele não é um telefone muito bom em muitos aspectos”, afirma Cooper. “Pense um pouco. Você pega um pedaço de plástico e vidro, que é plano, e coloca contra a curvatura da sua cabeça. Sua mão fica em uma posição desconfortável.”

Deixando de lado essa dificuldade e as preocupações com aspectos específicos do nosso mundo hiperconectado (como as redes sociais, com seus filtros de beleza cada vez mais realistas), o que a nossa dependência do telefone celular está fazendo com os nossos cérebros? Tudo é ruim ou existe algum aspecto positivo?

Cérebro ‘drenado’

É fácil imaginar que, com a nossa dependência dos aparelhos cada vez maior ano após ano, as pesquisas enfrentem dificuldades para acompanhar esse crescimento. O que sabemos é que a simples distração de verificar o celular ou observar uma notificação pode trazer consequências negativas.

Também não é algo muito surpreendente, mas já que sabemos que, em geral, a realização simultânea de várias tarefas prejudica nossa memória e desempenho.

Um dos exemplos mais perigosos é o uso do celular ao dirigir. Um estudo concluiu que o simples ato de falar ao telefone, sem enviar mensagens de texto, é suficiente para reduzir a velocidade de reação dos motoristas na estrada.

E isso também é válido para as tarefas menos arriscadas do dia a dia. Em um estudo, ouvir um simples sinal sonoro de notificação fez com que os participantes apresentassem desempenho muito inferior em uma determinada tarefa. Eles se saíram quase tão mal quanto os participantes que falavam ou enviavam mensagens de texto no celular durante o trabalho.

E não é apenas o uso do celular que traz consequências. Sua simples presença pode afetar a forma como pensamos.

Em outro estudo recente, os pesquisadores pediram aos participantes que colocassem seus celulares ao lado deles para que ficassem visíveis (sobre uma mesa, por exemplo), perto e fora de vista (como em uma bolsa ou no próprio bolso) ou em outra sala. Em seguida, os participantes realizaram uma série de tarefas para testar sua capacidade de processar e relembrar informações, de se concentrar e de resolver problemas.

Concluiu-se que o desempenho foi muito melhor quando os telefones estavam em outra sala e não próximos, quer estivessem eles visíveis ou invisíveis, ligados ou não. O mesmo resultado foi obtido até quando a maioria dos participantes afirmava não estar pensando conscientemente nos seus aparelhos.

Aparentemente, a simples proximidade do celular contribui para a “drenagem do cérebro”.

O nosso cérebro parece trabalhar muito no subconsciente para inibir o desejo de verificar o celular ou acompanhar constantemente o ambiente para saber se devemos pegar o telefone — por exemplo, quando esperamos uma notificação. De qualquer forma, esse desvio de atenção pode dificultar a realização de qualquer tarefa.

Os pesquisadores concluíram que a única solução é colocar o aparelho em uma sala totalmente diferente.

Estas são as más notícias, ou parte delas. Mas os pesquisadores concluíram mais recentemente que também pode haver um lado positivo na nossa dependência do telefone celular.

É uma crença comum, por exemplo, que depender do telefone para tudo atrofia nossa capacidade de memória. Mas esta pode não ser uma conclusão tão simples.

Em um estudo recente, voluntários receberam uma tela com círculos numerados que eles precisavam arrastar para um lado ou para o outro. Quanto maior o número no círculo, mais os voluntários receberiam se o movessem para o lado certo.

Metade dos participantes pôde anotar na tela quais círculos deveriam ir para qual lado. A outra metade precisou confiar apenas na memória.

É claro que o acesso aos lembretes digitais ajudou no desempenho. O surpreendente foi que os participantes que usavam os lembretes não recordavam melhor apenas os círculos anotados (os que tinham valor mais alto), mas também os círculos que não haviam sido registrados!

Os pesquisadores acreditam que, ao confiar as informações mais importantes (os círculos de valor mais alto) ao aparelho, a memória dos participantes ficava liberada para armazenar as informações de menor valor.

A desvantagem foi que, quando os participantes não tinham mais acesso aos lembretes, a lembrança dos círculos de valor mais baixo persistiu, mas eles não conseguiam mais se lembrar dos valores mais altos.

Muitos anos de pesquisa ainda serão necessários para podermos saber exatamente o que a nossa dependência do telefone celular está fazendo com a nossa força de vontade e com a nossa cognição a longo prazo. Até lá, existe outro caminho para tentar reduzir seus efeitos nocivos. E tem a ver com a forma como pensamos sobre o nosso cérebro.

Como meu antigo colega David Robson escreveu no seu livro The Expectation Effect (“O efeito da expectativa”, em tradução livre), pesquisas recentes questionaram a crença de que, se exercitarmos nossa força de vontade de certa forma (por exemplo, resistindo subconscientemente a verificar nosso celular), nós “esgotamos” nossas reservas gerais, o que dificultaria substancialmente nossa concentração em outras tarefas.

Isso pode ser verdade, mas Robson escreve que depende muito daquilo em que acreditamos.

Indivíduos que acreditam que o nosso cérebro tem recursos “limitados” — ou seja, que pensam que resistir a uma tentação diminua nossa resistência à próxima — de fato são mais propensos a exibir este fenômeno durante os estudos.

Mas existem pessoas que acham que, quanto mais resistirmos às tentações, mais fortalecemos nossa capacidade de continuar resistindo – em outras palavras, que o nosso cérebro tem recursos ilimitados. Para eles, exercer o autocontrole ou a fadiga mental em uma tarefa não prejudica o nosso desempenho na tarefa seguinte.

O mais fascinante que é a visão limitada ou ilimitada do cérebro, em grande parte, pode ser cultural. E que as pessoas de países ocidentais podem ter maior tendência a acreditar que a mente é limitada do que as que vivem em outras culturas, como a Índia, por exemplo.

Mas o que podemos tirar de tudo isso? Bem, para reduzir a quantidade de vezes que verifico meu celular, vou praticar deixá-lo em outra sala.

Mas também vou me lembrar que o meu cérebro tem mais recursos do que imagino – e que, sempre que eu resistir à tentação de consultar meu celular, meu cérebro irá criar novos caminhos neurais que vão tornar cada vez mais fácil resistir a esta e talvez a outras tentações no futuro.

OBS: Ao preparar esta reportagem, a autora parou de escrever para verificar seu celular apenas uma vez e acabou rolando a tela por cerca de cinco minutos. Considerando a frequência com que ela pensou em celulares enquanto escrevia, ela considera este índice uma vitória.

**BBC

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