A gestão dos resíduos sólidos urbanos nas cidades brasileiras se tornou um desafio ambiental de largas proporções. Quase metade dos municípios brasileiros (49,9%) ainda despeja resíduos em lixões, depósitos irregulares e ilegais. Além disso, 17,8 milhões de brasileiros não têm coleta de lixo nas casas e apenas 3,85% dos resíduos são reciclados.
Os dados fazem parte do Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (ISLU), elaborado pelo Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb). O estudo revela que, uma década depois da promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), o Brasil ainda mostra alto índice de destinação incorreta do lixo, com taxa mínima de reciclagem.
A região Sul se destaca com um índice de 88,57% na destinação correta, com 73% de cobertura do serviço e 78,45% em arrecadação específica, mas de todo esse material apenas uma parcela ainda pequena de 7,82% chega ao fim do processo de reciclagem.
Três cidades do Rio Grande do Sul chegaram a ser referência em limpeza urbana no Brasil. Marau e Não-Me-Toque, na Região Norte do estado, e Presidente Lucena, no Vale dos Sinos, receberam nota máxima no índice, pesquisa realizada em mais de três mil municípios do país.
O deputado Carlos Gomes (Republicanos-RS), que é ex-catador e presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Cadeia Produtiva da Reciclagem no Brasil, avaliou que mesmo fazendo parte do melhor índice do país, acima da média nacional, a reciclagem no Rio Grande do Sul ainda é incipiente por falta de organização, planejamento e investimento.
“No município também não é diferente, é preciso que possamos instalar ainda mais e ampliar a coleta seletiva para mais bairros e que esse material possa passar obrigatoriamente pelos centros de triagem e também passando por beneficiamento para agregar valor e renda”, disse.
O deputado é autor do PL 6545/2019, que agora tramita no Senado e desenvolve políticas de incentivo às atividades voltadas à reciclagem. O projeto cria o Fundo de Apoio para Ações Voltadas à Reciclagem (Favorecicle) e Fundos de Investimentos para Projetos de Reciclagem (ProRecicle).
Além disso, é permitida a dedução de parte do imposto de renda devido por pessoas físicas e jurídicas envolvidas em projetos de reutilização, tratamento e reciclagem de resíduos sólidos produzidos no território nacional.
Para o deputado, o projeto pode ajudar as empresas a resolverem o problema da falta de reciclagem no País, sobretudo, dos resíduos produzidos por elas próprias. Além da redução do impacto ambiental, a proposta deve trazer vantagens no ponto de vista tributário, na geração de emprego e renda, tirando trabalhadores da informalidade.
“Nós poderemos ter um fundo robusto para auxiliar nossas cooperativas no treinamento, qualificação de mão de obra, gestão de negócios, transformando as cooperativas em pequenas indústrias, descentralizando o processo industrial da reciclagem que hoje está no eixo Sul, Centro-Oeste e Sudeste”, afirmou. Segundo Gomes, a intenção é que o recurso seja direto do fundo, sem maiores burocracias do governo, possibilitando acesso aqueles que estão na ponta.
Dificuldades
Segundo o presidente da Associação Brasileira de Reciclagem e Inovação (Abrin) e coordenador da ONG Programando o Futuro, Vilmar Simion Nascimento, uma das maiores dificuldades enfrentadas pelas empresas para incluir o processo de reciclagem nos negócios é principalmente o baixo valor dos resíduos.
“O valor dos resíduos após a separação é inferior a 1% do valor do produto, porque a gente sabe que isso acontece em todas as outras cadeias também, então o baixo valor e o alto custo logístico que a gente tem para coletar e destinar esses recursos são os maiores dificultadores que nós temos hoje. Por isso é tão importante apoio e subsídio do governo e também dos fabricantes”, afirmou.
Charles Dayer, especialista em meio ambiente, ressaltou a importância do fundo proposto pelo PL ser bem regulamentado e instrumentalizado, para a distribuição correta do recurso, tornando a reciclagem uma ferramenta mais efetiva de cuidado com o meio ambiente.
“Uma coisa que precisa ser bem pensada é em como fazer esse fundo chegar na ponta, ou seja, como é que os municípios vão ter acesso a esse recurso para poder aplicar. Porque no fim das contas quem faz a reciclagem não é o Ministério do Meio Ambiente, é a ponta, que são as Secretarias Municipais de Meio Ambiente, o Serviço de Limpeza Urbana municipal e por aí vai”, disse.
De acordo com a pesquisa do ISLU, apenas 41,5% das prefeituras adotaram algum de sistema de custeio individualizado, seja por taxa ou tarifa, para remunerar os serviços de manejo de resíduos sólidos, medida prevista na PNRS.
Para aumentar o índice de reciclagem do Brasil, a Confederação Nacional dos Municípios (CNM) avaliou que é preciso o melhoramento dos sistemas de coleta seletiva nos municípios, aumentando a geração de trabalho e renda por meio da valorização do trabalho desenvolvido pelos catadores de materiais recicláveis.
No entanto, para que esse sistema seja suficiente e consiga fazer com que os resíduos recicláveis secos retornem para a cadeia da reciclagem, a confederação define como imperativa a difusão e a interiorização de indústrias da reciclagem no país.