Em meio ao caos do momento mais crítico da pandemia do coronavírus, o governo do Amazonas e o Ministério da Saúde começaram na noite da quinta-feira (14) a operação Oxigênio para abastecer os hospitais do Amazonas com o gás, cuja demanda disparou em índices de consumo após o aumento de casos de covid-19. Os aviões com o produto chegaram no estado durante a madrugada desta sexta-feira (15).
De acordo com o governador Wilson Lima, o plano começou a ser executado após as principais fornecedoras do produto não suportarem a demanda das redes pública e privada do estado, que passou a ser cinco vezes maior nos últimos 15 dias.
Para atender a necessidade dos pacientes de hospitais públicos quanto dos hospitais privados, as fornecedoras precisavam entregar 76.500 metros cúbicos (m³) diariamente. No entanto, a capacidade de entrega das empresas tem sido somente de 28.200 m³/dia. Para sanar o déficit de 48.300m³ diários, a operação busca o gás em Fortaleza e São Paulo para levar até Manaus em aviões da FAB (Força Aérea Brasileira).
Segundo os médicos, o colapso provocou a morte de diversos pacientes na noite da quinta-feira. Com isso, o governo federal anunciou que levará pacientes para outros Estados. A estimativa é de que sejam realizadas 750 transferências. Profissionais de saúde disseram ainda que hospitais fecharam as portas na quinta-feira por falta de insumos e leitos, e precisaram de apoio da PM para evitar invasões. O governo estadual diz o que Amazonas vive a fase mais crítica da pandemia.
De acordo com o secretário de Atenção Especializada do Ministério da Saúde, coronel Luiz Otávio Franco Duarte, os aviões da FAB têm condições de manter uma ponte aérea São Paulo-Manaus para complementar a produção de oxigênio em Manaus. Cada viagem de avião tem capacidade de abastecer a capital com 5.000m³.
“Diante do desabastecimento, não só aqui no Amazonas, mas em diversas partes do mundo, nós, abrimos a operação. O consumo diário hoje no Amazonas é de 76.000m³, e temos um déficit diário de 48.000 m³. A matemática é bem objetiva e mostra o esforço do SUS para equalizar esse item nobre”, afirmou o coronel.
A logística da operação prevê também rota terrestre com insumos até Belém, saindo de Fortaleza, para chegar a Manaus por meio de aviões. Para atender com urgência as redes, o transporte terrestre e fluvial, que seria o procedimento mais comum, foi descartado.
Novos pedidos de oxigênio
Na quinta-feira (14), o governo do Amazonas requisitou o eventual estoque ou produção de oxigênio de 17 indústrias do Polo Industrial de Manaus (PIM). A medida tomada pela Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas (SES-AM), tem como objetivo garantir a assistência de pacientes.
A ação faz parte de uma série de esforços do governo do Amazonas para atender a alta demanda ocasionada pelas internações de pacientes com o novo coronavírus. A requisição de um estabelecimento privado é um ato administrativo previsto na Constituição Federal e na Lei nº 8.080/1990, a Lei do SUS. O instrumento é um ato administrativo tomado pela autoridade competente diante de um perigo público iminente – no caso a explosão de casos de covid-19. Previsto tanto na Constituição quanto na Lei do SUS, o dispositivo prevê a requisição de bens privados, móveis e imóveis, inclusive serviços, indenizando posteriormente.
Disputa pelo produto
Diante do caos instaurado no estado pela elevada demanda do oxigênio, episódios de crimes envolvendo a apreensão do insumo. A Secretaria de Segurança Pública do Amazonas apreendeu, na quinta-feira (14), um caminhão com cilindros de oxigênio, no bairro Alvorada, zona centro-oeste de Manaus. Um homem de 38 anos foi detido e vai responder por reter produtos para o fim de especulação e ficará à disposição da Justiça.
O secretário de Segurança, Coronel Louismar Bonates, esteve no local da denúncia e encontrou o caminhão, distante da empresa, com os cilindros distribuídos pela empresa. O fato ocorreu nas proximidades do Sesc Amazonas. Foram encontrados no caminhão 33 cilindros, dos quais 26 possuíam oxigênio.
A ação envolveu a Polícia Militar e a Polícia Civil do Amazonas. Segundo o diretor do Departamento de Polícia do Interior, o delegado Bruno Fraga, durante o interrogatório o homem informou que possui uma empresa de comercialização de cilindros de oxigênio, porém, ficou com medo de que a população invadisse o estabelecimento em busca do material, e decidiu tirá-lo do local.
Policiais civis fizeram a escolta do material para abastecimento em quatro unidades de saúde da rede estadual, durante a noite. Para o Hospital Beneficente Português, foram destinados 11 cilindros. Seis foram para a Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas (FCecon), seis para o SPA do São Raimundo e três para o SPA do Coroado.
Colapso nos hospitais
O Hospital Universitário Getúlio Vargas, ligado à Universidade Federal do Amazonas (UFAM), ficou cerca de quatro horas sem o insumo na manhã de ontem. O oxigênio acabou na madrugada, gerando desespero nas equipes de saúde. O hospital teria recebido cilindros às 12 horas, capazes de oferecer ajuda a pacientes por apenas mais duas horas.
“Colegas perderam pacientes na UTI por causa da falta de oxigênio. Eles ainda tentaram ambuzar (ventilar manualmente), mas foi só para tentar até o último recurso mesmo, porque é inviável manter isso por muito tempo. Cansa muito, tem de revezar profissionais. Chamaram residentes para ajudar na ventilação manual. A vontade que dá é de chorar o tempo inteiro. Você vê o paciente morrendo na sua frente e não pode fazer nada. É como se ver na guerra e não ter armas para lutar”, disse outra médica da unidade. Nas redes sociais, profissionais do Getúlio Vargas também divulgaram pedidos de ajuda.
O Pronto-Socorro 28 de Agosto, o Hospital Universitário Getúlio Vargas e o SPA (serviço de pronto-atendimento) Alvorada chegaram a fechar as portas por não terem condições de atender novos pacientes. Em frente a essas três unidades houve tumulto e a PM foi acionada para impedir a entrada à força de quem buscava atendimento.
“Estamos perdendo vidas. Há algumas semanas a gente já vinha citando que era um cenário de guerra e que o caos iria se instalar”, afirmou o presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas, Mário Viana.
Conforme relatos de outros profissionais de saúde publicados nas redes sociais, a maioria dos hospitais sofre com o mesmo problema. Há registro de falta do insumo nos hospitais Fundação de Medicina Tropical e nos SPAs de Manaus. O prefeito de Manaus, David Almeida (Avante), atribuiu o desabastecimento ao isolamento geográfico do Estado.
O procurador de Justiça Caio Dessa Cyrino, que tinha um filho internado no Hospital Fundação de Medicina Tropical, disse que pela manhã não havia oxigênio para nenhum paciente. “Minha nora me ligou às 5h, quando ela foi lá visitá-lo, avisando que tinha acabado. Ele estava no 3º dia de UTI e evoluindo bem. Por sorte, eu tinha uma ‘bala’ de oxigênio em casa e corri para o hospital para levar. Quando cheguei com a bala na mão, vi o olhar de desespero dos médicos, servidores. Estavam em choque, sem poder fazer nada.”
Ele conta que o filho, de 36 anos, começou a se sentir mal há quase duas semanas, mas logo no início não achou vaga em hospital e ficou em home care, por isso ele tinha oxigênio. Ele conseguiu contratar uma UTI aérea para transferir o filho para São Paulo. “Mas quantas centenas não têm como fazer isso e podem morrer hoje?”
Segundo o governo local, inicialmente 235 pacientes serão enviados para Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte, Goiás e Distrito Federal. A União vai apoiar a transferência, em aviões militares, de pacientes com quadros moderados, em condições de serem levados.
Mesmo unidades que ainda não chegaram ao fim do estoque, como o PS 28 de Agosto, há receio. Médico na unidade, Diemerson Silva diz que a demanda por oxigênio se intensificou com a alta de internações pela covid. Ele conta que o hospital tinha ontem ao menos cem pacientes com necessidade de oxigenação. “Chegam muitos a cada hora e não sabemos até quando vamos conseguir ofertar.”
O estoque de oxigênio acabou no Hospital Getúlio Vargas por volta das 6h30. Sou médica residente e não costumo trabalhar diretamente no atendimento a pacientes com covid, mas, quando soube do que estava acontecendo, fui para a ala covid como voluntária porque os colegas precisavam de ajuda para ambuzar (ventilar manualmente) os pacientes. Nesse procedimento, a gente fica apertando uma bolsa ininterruptamente para bombear manualmente o oxigênio para o paciente.
Aquilo cansa. Quando uma pessoa da equipe chega no limite da exaustão, ela reveza com outro profissional. Durante o tempo em que fiquei na UTI, ajudei a ambuzar três pacientes. Um deles, de 50 anos, morreu na minha frente. Quando a gente vê que não tem mais jeito, iniciamos a morfina, para dar algum conforto. Tivemos de fazer isso com ele. Demos morfina e midazolam (sedativo). A gente já chorou e não sabe mais o que fazer.
Só no Getúlio Vargas foram pelo menos cinco óbitos pela falta de oxigênio. No fim da manhã, começaram a chegar alguns cilindros vindos de doações. Os médicos fizeram campanha na internet pedindo que pessoas que tivessem algum estoque em casa levassem para o hospital.
Ajuda da Venezuela
O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, orientou que sua diplomacia atendesse ao pedido do governo do Amazonas para liberar uma carga de oxigênio hospitalar da White Martins produzida no país. O chanceler chavista, Jorge Arreaza, disse que conversou na quinta-feira, 14, com o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), após o sistema público entrar em colapso no Estado.
“Por instruções de Maduro conversei com o governador do Amazonas Wilson Lima, para colocar imediatamente à disposição o oxigênio necessário para atender a contingência sanitária em Manaus. Solidariedade latino-americana antes de tudo!”, expressou o ministro Arreaza. Lima agradeceu em nome do povo amazonense.
Principal fornecedora do oxigênio hospitalar no Amazonas, a empresa White Martins comunicou que buscaria o estoque disponível em suas operações na Venezuela e que tentaria viabilizar a importação para abastecer o Estado. “A White Martins já identificou a disponibilidade de oxigênio em suas operações na Venezuela e, neste momento, está atuando para viabilizar a importação do produto para a região”, disse a empresa em nota.
Segundo o Ministério Público, a White Martins alegou “não possuir logística suficiente para atender a demanda” no País. A companhia disse que a demanda do Amazonas chegou a 70 mil metros cúbicos por dia, após aumentar cinco vezes nos últimos 15 dias. Ao mesmo tempo, a empresa afirmou que realiza uma “grande operação por vias fluvial e aérea” para trazer oxigênio de fábricas localizadas em outros Estados no Brasil, com apoio das Forças Armadas e governos.
**Com informações do Portal R7