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Dia Nacional da Consciência Negra: Luiz Gama, o patrono da abolição da escravidão


20 de novembro de 2020

Luiz Gama foi um intelectual negro no Brasil no século XIX.

Nascido em Salvador em 1830, filho de uma africana livre e de um português, Luiz Gama foi vendido ainda criança pelo pai, como pagamento de uma dívida de jogo, e enviado a São Paulo como escravo. Foi alfabetizado apenas aos 17 anos, um ano antes de conseguir judicialmente a própria liberdade. 

Por ser negro, foi impedido de frequentar o curso da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, a mais antiga instituição do gênero no país. Determinado, o baiano passou a estudar direito de forma autodidata e atuou na prática como advogado, libertando mais de 500 negros da escravidão. Em 2015, 133 anos após a sua morte, foi reconhecido pela OAB como advogado e, em 2018, foi declarado por lei como patrono da abolição da escravidão no Brasil, além de ter o nome inscrito no Livro dos Heróis da Pátria.

O abolicionista, que também foi jornalista e poeta, é tema do estudo de Ligia Fonseca Ferreira, professora da Unifesp que pesquisa a vida e obra de Luiz Gama há cerca de 20 anos e publicou três livros sobre ele. O último, Lições de Resistência: Artigos de Luiz Gama na Imprensa de São Paulo e do Rio de Janeiro, foi lançado neste ano. 

Professora Ligia Fonseca Ferreira publicou três livros sobre Luiz Gama

Em entrevista exclusiva à TV Brasil, a pesquisadora fala sobre o papel importante de Luiz Gama no movimento abolicionista, de sua atuação relevante na imprensa e também no campo literário. 

Leia a entrevista a seguir: 

TV Brasil – Neste livro, que traz 61 artigos de Luiz Gama, 42 deles inéditos, quais são as lições de resistência que o leitor vai encontrar?
Ligia Fonseca Ferreira – Essas lições de resistência são, em primeiro lugar, a defesa dos escravizados, a defesa dos direitos humanos, sobretudo o direito dos escravos que já existiam, já estavam inclusive assegurados pelas nossas leis, mas que muitas vezes não eram respeitados. Ele conseguiu desenterrar leis que ficaram como letra morta, como a lei de 7 de novembro de 1831, que deveria garantir que os africanos que desembarcassem no Brasil a partir daquela data deveriam ser considerados livres e que os traficantes de escravos deveriam sofrer penalidades. Então de 1831 até 1888, quando houve a abolição, são 57 anos. Mas o Luiz Gama vai fazer com que essas leis possam ser aplicadas antes da abolição. Ele diz que a função dos juízes é de estudar e aplicar as leis e ele vai bater insistentemente nessa tecla, e é a partir disso portanto que ele alcança, como declara numa carta, a liberdade de cerca de 500 escravos.

TV Brasil – Mesmo sem formação acadêmica, Luiz Gama demonstrava muito conhecimento jurídico e advogava de graça para libertar os escravizados? 
Ligia Fonseca Ferreira – Ele traz à tona essa condição muito singular de ser um homem de uma imensa cultura jurídica e de aplicá-la em benefício dos escravizados. Ele tinha uma autorização especial para advogar em primeira instância e fazia anúncios a serviço das causas da liberdade, tudo sem retribuição alguma. Ele abraça a causa abolicionista e também foi um dos primeiros brasileiros a abraçar a causa republicana. Para Luiz Gama, a luta abolicionista também se desdobrava na luta pelos ideais republicanos, no combate à monarquia, então a gente não pode se esquecer desse papel muito importante que ele vai ter nesse momento.

TV Brasil – Luiz Gama advogava de graça e tinha como ganha-pão o trabalho de jornalista. Inclusive fundou o primeiro jornal ilustrado de São Paulo, chamado Diabo Coxo. De que forma as facetas de abolicionista e jornalista se uniam? 
Ligia Fonseca Ferreira – O Luiz Gama é esse trabalhador incansável do jornalismo que nós também precisamos conhecer. Além do abolicionista, que se funde com esse homem que está olhando para o Brasil e mostrando um retrato a partir de uma perspectiva diferente, que a sua condição de homem negro lhe dava. No ano de 1871, quando Luiz Gama é acusado de promover insurreições escravas, ele vem a público através da imprensa, que era uma arma importante para ele, dizer que não estava promovendo insurreições, mas que, quando a justiça falhasse em garantir o direito dos escravos, ele fala que promoveria a resistência como virtude cívica.

TV Brasil – E além de atuar como abolicionista e jornalista, Luiz Gama também foi poeta e lançou o primeiro livro apenas 12 anos depois de ser alfabetizado? 
Ligia Fonseca Ferreira – Estamos falando aqui do Século 19, em que pouquíssimos negros estiveram ligados ao mundo das letras, à produção literária, que é outro aspecto no qual ele se destaca. Ele lança as Primeiras Trovas Burlescas em 1859. É um conjunto de sátiras políticas, sociais e raciais, nas quais o Luiz Gama faz uma grande descrição do funcionamento da sociedade imperial da época. Se a gente ler a maneira como ele aponta o funcionamento da sociedade em vários níveis, a gente tem a impressão de que o Luiz Gama está fazendo um retrato da nossa sociedade de hoje. É isso que garante a sua extrema atualidade. E ele também escreve poemas líricos. É o primeiro poeta afro-brasileiro, porque ele era filho de uma africana, a ter louvado a mulher negra, então ele já tem um papel bastante interessante dentro de uma produção que mais tarde a gente vai poder chamar de literatura negra, trazendo essa temática. TV Brasil – Nesses 190 anos do nascimento de Luiz Gama, ainda falta reconhecimento para a obra dele?
Ligia Fonseca Ferreira – Ele deveria estar presente na história da literatura, do período romântico; na história do Brasil, especialmente das lutas abolicionistas e da campanha republicana; ele deveria estar na história das ideias jurídicas, e ele deveria estar na história da imprensa, pelo papel que desempenhou e que agora uma parte está reunida no livro Lições de Resistência, em artigos que tratam sobre escravidão, liberdade, república e direitos humanos.

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